Hoje (20), completam-se cinco anos do primeiro decreto de confinamento contra a Covid-19 em João Monlevade. Nesse período, houve 20.161 contaminações pela doença na cidade, e 296 cidadãos perderam a vida para o vírus que parou o mundo.

Durante dois anos, entre março de 2020 e abril de 2022, a doença impôs a mais abrupta e prolongada mudança de hábitos da história recente, e marcou a vida das famílias, das empresas e da coletividade.

O impacto

No dia 20 de março de 2020, uma sexta-feira, João Monlevade viveu uma situação inédita. A então prefeita, Simone Carvalho (PSDB), publicou um decreto que suspendia a maior parte das atividades econômicas e sociais. A maior parte do comércio baixou as portas, e o movimento nas ruas caiu drasticamente. Lojas, bancos, escolas, clubes, salões de beleza, igrejas: quase tudo estava fechado.

A razão foi a pandemia da Covid-19, uma doença viral desconhecida até o início daquele ano. Em questão de semanas, o mundo inteiro encontrava-se completamente aterrorizando, temendo um vírus que deixava seus pacientes internados em estado muito grave e até matava.

As imagens das centenas de caixões em cidades italianas provocaram medo e aflição. João Monlevade não foi exceção, e a vida social passou por transformações jamais vistas.

Médicos não faziam ideia

O coordenador do Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital Margarida, doutor Marcos André Crim Câmara, conta que nem a classe médica tinha ideia daquilo que enfrentava: “Os primeiros atendimentos que nós fizemos de pacientes com Covid foram totalmente no escuro. Nós não sabíamos nada sobre a doença. Ela vinha se alastrando no mundo de maneira rápida, mas nós não tínhamos conhecimento de como tratar, de como lidar com esse tipo de paciente”, relembra. O médico relata que o pavor também atingiu as equipes de saúde, com muitos profissionais com medo de realizar os atendimentos.

Havia uma palavra de ordem: “Fique em casa”. Nas raras oportunidades em que era possível sair à rua, era necessário usar máscara hospitalar, mas logo se permitiu uma imitação de tecido comum. Praças foram cercadas com grades metálicas. Aulas e reuniões passaram a ser virtuais, e muitos trabalhadores precisaram adotar o trabalho domiciliar (home office). Evitava-se a todo custo o contato interpessoal. O álcool em gel tornou-se onipresente, chegando a faltar nos supermercados e farmácias, além do aumento em seu preço.

O poder público também iniciou uma corrida: o Hospital Margarida reservou um andar apenas para pacientes internados com o coronavírus, e a Prefeitura chegou a montar um hospital de campanha na Secretaria de Saúde, que não chegou a ser usado.

Tensões

O primeiro confinamento durou cerca de 40 dias, e já abalou a saúde financeira da cidade. Muitos lojistas reclamaram de prejuízos e precisaram demitir seus trabalhadores. Vários estabelecimentos fecharam as portas para sempre. Mesmo assim, a doença chegou a João Monlevade, com a primeira contaminação confirmada em 7 de abril. Nas redes sociais e nas conversas, o medo era temperado pelo infindável debate: precisa-se fechar tudo? O sacrifício imposto aos CNPJs está salvando os CPFs?

O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de João Monlevade, Luiz Carlos Valente, informa que a cudade perdeu cerca de 60 lojas em decorrência do coronavírus, sendo as mais prejudicadas as de roupas e calçados.

Ele cita dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o qual, durante a primeira onda da doença, até junho de 2020, 716.312 empresas fecharam as portas no Brasil, sendo 99,8% delas de menor porte, que são maioria e também as que mais geram empregos.

Primeira morte

A primeira morte de um cidadão com a Covid-19 ocorreu em 12 de julho de 2020, vitimando um idoso de 90 anos. Com o passar das semanas, a lista de vítimas engrossava, e elas não podiam sequer ser veladas. O médico Marcos André Câmara recorda que os primeiros óbitos aumentaram a apreensão na “linha de frente”. “Aquilo apavorou a gente de uma maneira tal! Não havia vacina, e a tínhamos que lidar com os pacientes. Aprendemos que nós tínhamos que nos proteger, através de equipamentos de segurança, máscara, touca, capuz, aquele avental que a gente colocava. E aprendendo com o desenrolar da doença. O que que nós tínhamos que fazer? Para obter uma melhora do paciente, o que a gente também tinha que fazer era se proteger”, relembra.

Protestos

O temor continuou, com pequenas permissões ao comércio seguidas de novas ordens de encerramento. Alguns setores protestaram: religiosos vieram a público manifestar insatisfação com o governo de Simone Carvalho sobre a autorização às celebrações, e profissionais das academias de ginástica promoveram uma passeata pedindo o retorno de suas atividades. Houve também quem simplesmente violasse as ordens de confinamento, até com a realização de festas, respondida pelo estímulo às denúncias.

As eleições municipais, agendadas para o primeiro domingo de outubro de 2020, foram remarcadas para 15 de novembro. Mesmo restrita, a campanha aconteceu, e as urnas deram a vitória a Laércio Ribeiro (PT). Ele tomou posse em 1º de janeiro de 2021 com a missão de conter o avanço da Covid-19. Segundo dados da Prefeitura, 2020 terminou com 3.612 contaminações e 46 falecimentos de pessoas infectadas pelo coronavírus. O ano que começava seria desafiador e paradoxal.

Medo e esperança

Ainda em janeiro de 2021, o prefeito liderou a comitiva que foi a Itabira buscar as primeiras doses da vacina contra o coronavírus, iniciando a aplicação pelos profissionais da “linha de frente”, seguidos pelos idosos. No entanto, a ministração enfrentou muitos problemas. O primeiro foi a grande demanda, com as doses sendo liberadas por idade. O segundo foi a contestação e a desconfiança de uma considerável parcela da sociedade, receosa de eventuais efeitos colaterais.

Divulgação – Acom – PMJM

Mas o pior golpe veio em março. Em virtude da piora dos índices de contaminação e de mortes com Covid-19, o governo estadual institui a “onda roxa” do programa Minas Consciente, com as mais severas restrições. O comércio, já bastante restrito, voltou a fechar, e os supermercados chegaram a restringir a venda apenas de alimentos e outros produtos indispensáveis.

Para piorar, o Hospital Margarida emitia boletins diários que acusavam a superlotação do Centro de Terapia Intensiva (CTI) e da enfermaria especiais. A fase mais restritiva em João Monlevade durou até abril.

O médico Marcos André Câmara relembra os momentos terríveis pelos quais as equipes passaram. “Nós formamos um CTI um exclusivamente para Covid, e não dava conta. Eram muitos pacientes graves, jovens, grávidas, idosos. Começaram a morrer sucessivamente três, quatro por dia, e a gente impotente diante da doença. Começaram a se formar filas de ambulâncias chegando ao Hospital Margarida, e de carros de funerária, para levar os corpos. Teve certo momento que não tinha nem como estacionar, os carros simplesmente faziam fila. As ambulâncias chegavam a todo momento, com pacientes gravíssimos, com a saturação baixa, que tinham imediatamente que entrar para o oxigênio. O CTI sempre lotado”, recorda.

Os profissionais desdobravam-se, sacrificando a própria saúde, enquanto a pandemia mostrava sua face mais cruel. “Eu me lembro que um dia, eu estava num plantão de CTI, chegou três horas da manhã, quatro horas da manhã, eu não tinha tido um minuto de descanso. Morreram naquele dia, de sete da noite às quatro horas da manhã, três pacientes. E o meu desespero foi tão grande que eu me sentei e chorei. Eu falei ‘Gente, o que eu estou fazendo aqui? Eu não estou sendo capaz de fazer nada por esses doentes’. Mas depois vinha o consolo, e a gente continuava lutando. Enfermeiro, médico, fisioterapeuta, todos juntos”, recorda Marcos André.

Para piorar, a elevadíssima demanda por insumos hospitalares fazia com que eles faltassem, pois a indústria não conseguia suprir aos pedidos vindos de todo o mundo. Nesse momento, o esforço e a abnegação dos profissionais falaram mais alto. Como recorda Marcos André Câmara: “Imaginem vocês uma situação em que faltam sedativos para intubar o paciente. Não é porque o Hospital Margarida não queria comprar, é porque não tinha no mercado, estava esgotado. Remédios não existiam. A gente tinha que buscar outras alternativas.

O hospital estava disposto a comprar qualquer tipo de medicamento necessário, só que não existia. Oxigênio não tinha para vender. Estava faltando no mundo inteiro. Então nós tivemos que driblar muitas situações que nos traziam muita angústia”.

Traumas

O ano prosseguia, com a aplicação da vacina a mais faixas etárias e grupos sociais. O temor persistia, mas tantas restrições já geravam cansaço. Com as aulas virtuais, os resultados foram controversos. Muitas famílias não tinham dispositivos ou conexões adequadas, e principalmente, o aprendizado da maioria dos estudantes foi comprometido. Em meados de 2021, uma parcela considerável das famílias já clamava pelo retorno paulatino das aulas presenciais.

Enfurnadas dentro de casa, as famílias tiveram seu relacionamento comprometido. Sem poder trabalhar, muitos pais perdiam o sono com as contas que se acumulavam. A mudança abrupta na rotina e o estresse contínuo pelas notícias trágicas semeadas pela pandemia multiplicaram os casos de adoecimento mental, como a depressão.

Vacinas salvam

Com a vacinação da maioria dos cidadãos e o início das doses complementares, as restrições começaram a ser afrouxadas no segundo semestre de 2021. Havia a compreensão geral de que era preciso voltar à vida normal.

O médico Marcos André Câmara considera que a vitória sobre o coronavírus decorreu da vacinação massiva da população. “Graças a Deus, a vacina chegou. E foi realmente ela o grande divisor de águas no Covid. A partir da vacinação das pessoas, a coisa abrandou. Hoje em dia, até se morre de Covid, mas é bem mais raro. As pessoas estão vacinadas e eu recomendo que todos se vacinem, porque eu passei por isso, eu vi. Eu lidei com Covid no tempo que não tinha vacina”.

As aulas retornaram em setembro de 2021, incialmente, em modelo híbrido e com muitas restrições. O ano terminou com 9.250 infecções e 210 falecimentos em decorrência da Covid-19.

O ano de 2022 começa com uma nova onda de casos de coronavírus, mas a doença adquire uma nova característica: é mais contagiosa, mas muito menos letal, graças à vacinação. O ritmo de abertura continua nos primeiros meses do novo ano e, em março, o uso de máscaras passa a ser opcional em ambientes abertos.

Durante a Semana Santa daquele ano, as máscaras também deixam de ser obrigatórias em ambientes fechados. A decisão marca o pleno retorno à vida social após dois longos e atormentados anos.

Passados cinco anos, para Luiz Carlos Valente, o efeito da doença e do confinamento ainda não foi totalmente superado pelo comércio: “Muitos lojistas ainda sofrem para fechar as contas no fim do mês. Ainda não chegamos ao ponto em que estávamos antes da pandemia. No fundo, sofremos os efeitos físicos e econômicos da Covid-19”. O anseio de Valente é que o comércio volte ao nível anterior à pandemia no ano que vem.

Dados

Segundo dados fornecidos pela Prefeitura, o ano de 2022 teve 6.470 contaminações e 25 óbitos, número que caiu 88,09% em relação aos 210 falecimentos de 2021. A tendência de queda se manteve em 2023, quando João Monlevade teve 499 episódios da doença e 8 mortes; e em 2024, quando foram 312 anotações da Covid-19 e sete pessoas a perderem a vida. Até o momento, foram 18 registros em 2025, sem nenhum falecimento.

Lições

Luiz Valente destaca que é preciso aplicar as lições aprendidas durante os dois anos de sofrimento da pandemia: “O que é preciso considerar é que precisamos nos preparar para outros eventos futuros que possam impactar a economia, assim como vivenciamos entre 2020 e 2022. Não tínhamos como prever naquele período, as consequências e o vulto que as medidas adotadas poderiam assumir. Porém, agora, cinco anos depois, precisamos usar a inteligência adquirida para evitarmos o desastre que, além dos mortos, deixou famílias na miséria”.

Já Marcos André Câmara ressalta que a união e a cooperação entre as pessoas foi o principal fruto advindo da pandemia: “Houve momentos terríveis, mas a união fez a força. A sociedade se uniu para combater a doença. Os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, todos se uniram para fazer o que melhor poderia ser feito. Não existia vacina, era tratar o paciente. Perdemos várias pessoas queridas que conviviam com a gente. No dia a dia, morreram por Covid. Não foi só no Hospital Margarida, foi no mundo inteiro. E a avaliação que eu faço nesse período é que as pessoas precisam se unir. Por um bem comum, por um objetivo. É só essa união de um consolando o outro, dando força ao outro, que foi capaz de fazer com que a gente chegasse até o final”.