A Polícia Federal desbaratou nesta quinta-feira, 7, uma quadrilha de traficantes de cocaína, com integrantes ligados ao PCC, que escondia a droga, a partir do Porto de Santos, em cascos de navio com a ajuda de mergulhadores. O curioso é como o bando entrou na mira dos investigadores: para a acompanhar a remessa durante as longas de viagem – até a Espanha, China e Coreia do Norte – o grupo colocava nas bolsas à prova d’água, junto da cocaína, rastreador frequentemente usado para viajantes monitorarem suas malas – uma Airtag. E foi justamente os dados de acesso do aparelho, produzido pela Apple – que levaram a PF à quadrilha que traficou mais de uma tonelada de droga em dez meses.
A artimanha do bando indica que traficantes resolveram um problema que encontravam em outros episódios em que mergulhadores esconderam drogas em casos de navio: o de encontrar o entorpecente no destino da remessa. Uma situação de tal teor foi identificada na Operação Eureka, quando os traficantes brasileiros colocaram um carregamento de cocaína no navio MSC Agadir, que rumou para o porto de Gioia Tauro, na Calábria, no sul da Itália. A droga devia ser recuperada em janeiro de 2020 por mergulhadores italianos, mas eles não conseguiram encontrar o carregamento, o que irritou os mafiosos italianos. Ou quando o carregamento de droga em vez de ser expedido para o porto calabrês foi colocado em um navio que rumou para Antuérpia, na Bélgica.
Os detalhes do modus operandi da quadrilha ligada ao PCC constam de decisão do juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, que colocou a Polícia Federal no encalço da quadrilha na Operação Taeguk. A ofensiva foi às ruas para cumprir dez ordens de prisão preventiva e vasculhar 39 endereços em São Paulo – capital, Santos, Guarujá, São Vicente, Praia Grande, Bertioga, Caraguatatuba e Paraibuna -, Rio de Janeiro – Duque de Caxias -, Pará – Belém e Barcarena – e Maranhão – São Luís.
De tais alvos, cinco foram presos na Baixada Santista – Guarujá (4) e Santos (1) – e um já estava encarcerado. Outros quatro estão foragidos. A reportagem busca contato com os investigados. O espaço está aberto para manifestações.
Os alvos das ordens de prisão são supostos expoentes da organização criminosa: Marcel Santos da Silva; Juan Santos Borges Amaral; Carlos Alberto de Almeida Melo, o ‘Barbinha’; Francisco Frutuoso Neto, o Manga ou SSCP; Julio Enrique Ramirez Ochoa, ‘Gringo’; Luan Santos Dantas, o ‘Fé em Deus’; Ryan Kageyama Santos; Sergio Luiz Alves dos Santos, o ‘Braço’, Valmir de Almeida; e Rodrigo Borges Amaral.
A PF ainda investiga a participação de uma série de outros investigados nos crimes. Aponta inclusive que a extensão dos relacionamentos das pessoas associadas à quadrilha “é extremamente ampla, alcançando funcionários e seguranças do Porto de Santos”.
Os nomes de Marcel e de Juan foram descobertos pela PF após a apreensão, em janeiro, na Coreia do Sul de 100 quilos de cocaína escondidos no compartimento subaquático do barco M/V Hyundai Oakland. A embarcação havia partido do Porto de Santos com bolsas de lona à prova d’água escondidas dentro da válvula de entrada. Na bolsa também havia oito AirTags – sete comprados e provavelmente instalados em Hong Kong e um comprado na Flórida (EUA), mas instalado no Brasil.
Com o email vinculado à Airtag nas mãos, a PF conseguiu mensagens, documentos, fotos, históricos de buscas, contatos e endereços, que apontaram Juan e Marcel como chefes de um “complexo núcleo criminoso atuante na baixada santista, além de Estados como Paraná e Mato Grosso do Sul, tendo como objetivo final o envio de cocaína para o exterior”. Um dos carros chefes da quadrilha seria a remessa de droga escondida em cascos de navio com ajuda de mergulhadores.
A partir da dupla, os investigadores chegaram, por exemplo, a ‘Gringo’, apontado como o mergulhador responsável pela inserção da droga apreendida na Coreia do Sul. Em uma das conversas entre Juan e Marcel, este perguntou se ‘Gringo’ já havia ‘pulado’, recebendo como resposta a indicação de que ele ‘estava descendo’
A corporação conseguiu ainda ligar a quadrilha a uma série de outros eventos de tráfico de drogas, como a apreensão de cinco quilos de cocaína no navio Cosco Shipping Seine no Porto de Shangai, China; a apreensão de 400 Kg de maconha em Bataguassu (MS), que culminou na prisão em flagrante de um investigado acompanhado de um menor de idade; a apreensão de 289,3 Kg de cocaína a bordo do navio Trans África, em Las Palmas, Espanha; a apreensão de 114,6 Kg de cocaína no navio Feng Huan Feng, em Santos; apreensão de 124,6 Kg de cocaína no navio Great Zhou; e a apreensão de 39 Kg de cocaína a bordo do navio Orchid, em Belém do Pará.
Para colocar a droga nos navios, a quadrilha inclusive usava uma lancha, aponta a PF. Os investigadores conseguiram rastrear viagens realizadas pela embarcação, chamada San Piter, em dias anteriores à ocultação da droga. Uma das viagens, por exemplo, ocorreu entre a baixada e o porto de Paranaguá (PR). A PF ainda identificou um entreposto utilizado pelos investigados entre os municípios de Iguape e Ilha Comprida, assim como possíveis bases grupo em Paraibuna (SP), Barcarena (PA) e Fortaleza (CE).
Ao analisar o caso, o juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, destacou a gravidade dos crimes e ponderou que os invetigados transportaram e inseriram em compartimentos subaquáticos de embarcações transatlânticas mais de 670 Kg de cocaína e trouxeram do Paraguai mais 400 Kg de maconha, “totalizando mais de 1 tonelada de entorpecentes movimentados em solo nacional em 10 meses”
O magistrado ainda destacou o “risco real de reiteração delitiva”, com “fortes indícios” de que o grupo estava se movimentando para operacionalizar mais duas remessas de cocaína ao exterior, uma de Caucaia (CE) ou São Luís (MA) e outra a partir de Rio Grande (RS).