“A grama do vizinho é sempre mais verde”, nos informa um dito popular, à guisa de nos revelar que, muitas vezes, nosso olhar perpassa os valores que estão próximos de nós, para recair em outros, mais distantes, no limite do sonhar. É claro que buscar o novo, o melhor, quando possível, é salutar e nos mantém estimulados na busca de dias e condições melhores. Não foi diferente daquela vez.
Descobri, já com meus vinte anos de vida e de esforço contínuo, que havia novos aparelhos ortopédicos disponíveis no mercado. Mais leves, mais confortáveis e até gratuitos. E o processo de aquisição era relativamente simples. Bastava uma consulta no SUS, em uma unidade no bairro Gameleira e, com a receita em mãos, procurar a oficina de uma importante Associação que ficava no elegante bairro da Serra em Belo Horizonte.
O equipamento que eu utilizava até então, tutor longo na perna esquerda, era pesado, de ferro niquelado e couro. Era ainda, um modelo antigo em que a botina era ligada a esse aparelho ortopédico por um estribo fixado entre a sola e o salto devidamente recortado onde se acoplava. Por alguma razão que até hoje desconheço, o modelo da bota sempre foi o mesmo desde os primeiros que usei na minha infância. E, por sinal, esteticamente deplorável. Parecia um cartão de visita de sequelado de pólio, pois imagino que quem quer que as visse, ainda que de relance, saberia que o usuário era PcD.
Consulta marcada com menos de três meses de espera, para as treze horas. Melhor chegar quinze minutos antes. Estranhei que precisasse de uma “senha” numerada. Conversando com outros usuários enquanto aguardava, descobri que alguns tinham chegado ainda de madrugada. E que todos estavam marcados com a mesma médica, para uma da tarde. Que coincidência. Também ficou perceptível que os pacientes atendidos em poucos minutos saiam com expressão inconformada, indignados.
Cinco e vinte da tarde e era a minha vez. Notei que a médica, também PcD, tinha um longo bastão que demarcava o limite que os pacientes deveriam respeitar. Não se podia aproximar dela e a “consulta” era feita quase aos gritos. Me senti enojado. Desisti. Mas logo fiquei sabendo de outra possibilidade de atendimento lá na Silviano Brandão, Sagrada Família. Lá deu tudo certo. Consegui o pedido e fui fazer o aparelho novo, de alumínio, superleve. A partir dessa segunda consulta, o processo foi rápido, durou apenas quarenta e cinco dias e recebi o aparelho novinho em folha.
Muito leve mesmo e com uma novidade bacana: o calçado poderia ser qualquer que eu quisesse. Bastaria comprar e trazê-lo que encaixariam o estribo nele. Era a felicidade. Sapato ao meu gosto. Um sonho realizado.
Equipado com o bonito, voltei satisfeito para casa, na Olinto Magalhaes, esquina com Saúde. No outro dia, cedo, saí para o trabalho, descendo até a Pará de Minas onde tomaria o ônibus. Uma descida curta, um quarteirão apenas, mas foi o suficiente. Uma das presilhas do joelho se abriu, o corpo girou sobre aquela perna como um bailarino e o aparelho se contorceu, amassou e agiu como uma torquês abaixo e acima do joelho. Muitas feridas, dores e hematomas depois, passei a entender melhor o termo “grilhões”.

 

(*) Mário Ananias é monlevadense, servidor público, escritor, palestrante e autor do livro: Sobre Viver com Pólio. Contato: mariosrananias.com.br/ @mariosrananias