(*)Mário Ananias

O cinema sempre me encantou de uma forma consistente. Contar estórias de pessoas; empoderar o espectador para que ele se perceba vivendo cenas que, na vida real, seriam impossíveis; mostrar um herói que enfrenta grande número de adversários, mesmo ferido, depois de alguma atividade extenuante. Naqueles breves momentos uma pessoa comum se transforma em um esplêndido vencedor; outro salva o planeta da quase inevitável destruição; amores se consolidam; o ridículo nos toma de assalto; o bem vence… quase sempre.
Essa paixão começou quando ainda criança, na Vila Tanque, em João Monlevade, o saudoso primo de minha mãe, Adão, vinha de BH nos visitar e trazia um projetor com algumas fitas de cinema. A maioria desenhos animados. A casa se transformava numa sala de cinema magnífica, especialmente porque televisão, em preto e branco, baixa qualidade de som e imagem, era produto de luxo, raro. Os aparelhos mais próximos, inacessíveis, estavam em algumas das belas casas da avenida Aeroporto. Não eram “para o nosso bico”, como dizíamos.
Formávamos um amontoado de pessoas de várias idades para curtir, de graça, as projeções na parede. Nos arrebatavam. A saudade que tais lembranças trazem ainda afagam o coração.
Mais tarde, na fase dos faroestes, inclusive proibidos para menores, pelas cenas de violência que apresentavam, eram os mais cobiçados. Alguns adolescentes tentavam até falsificar documento, subornar porteiros, para assistir àquele espetáculo. Muitos desses filmes foram, depois, veiculados nos televisores, agora coloridos, no período da tarde ou início de noite. Outros tempos.
Muitas vezes, os rapazes, ao sair das salas de exibição, andavam com passos lentos, olhar de veneziana, pernas meio curvadas, braços esticados e ligeiramente afastados ao longo do corpo, mãos bem abertas, como se estivessem prestes a sacar de algum coldre um revólver imaginário. Era o poder de influência de que o cinema era capaz.
Depois, com o advento dos filmes de artes marciais, passamos a acreditar que todos orientais eram dotados de algum poder extremo que lhes permitia lutar incansavelmente, e vencer, dezenas de adversários e ainda salvar qualquer mocinha indefesa. O estilo dos espectadores mudou para passos de gato, movendo o corpo alinhado a cada passo, braços meio dobrados, mãos estendidas e dedos unidos. Que os ouros se cuidassem, pois um golpe de karatê estava prestes a ser desferido. Isso era muito engraçado.
Certa vez, voltando de um curso, na Praça da Estação, no centro de BH, sentei-me num banco para aguardar o ônibus. Pouco depois aproximou-se desequilibrado, um homem completamente embriagado que também se sentou, ou melhor, caiu sentado no banco ao meu lado exalando álcool e me observando torto, apesar de até hoje eu ter dúvidas de que ele estava realmente me vendo. Quando percebi o ônibus que me levaria para casa se aproximando, me levantei. Para tanto precisei prender as travas do aparelho, na altura do joelho e o barulho metálico chamou a atenção do bêbado que fez uma careta cambaleante e disse em voz alta e embargada pelo alto teor etílico:
– Robocop!
Não consegui conter o riso.