Dados alarmantes e subnotificações reforçam urgência de ações

Uma audiência pública realizada na última semana na Câmara Municipal trouxe à tona um panorama alarmante sobre a violência contra crianças e adolescentes em João Monlevade. O Tenente Aércio Mendes, da Polícia Militar, reforçou a gravidade do cenário ao informar que, somente em 2025, já foram registrados nove casos de estupro de vulnerável na cidade. Isso significa que, em média, um caso de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorre a cada 15 dias no município.

Com dados expressivos de subnotificação e um crescimento preocupante no número de casos, especialistas e autoridades reforçaram a necessidade de ações urgentes e integradas para enfrentar o problema. O vereador Thiago Titó (MDB) expressou indignação com os números: “Um único caso já seria inaceitável. Precisamos urgentemente ampliar ações educativas, principalmente nas escolas, para prevenir e identificar precocemente esses crimes”.

Subnotificação

A chefe da Vigilância em Saúde, Viviane Ambrósio, apresentou números que evidenciam a gravidade da situação e a insuficiência dos registros oficiais. Segundo ela, durante os anos de 2020 e 2021, marcados pelo isolamento social imposto pela pandemia, foram notificados apenas 14 casos de violência contra crianças em cada ano. O número é considerado irreal diante da complexidade do problema.

A título de comparação, em 2024, o cenário mudou drasticamente: 65 casos foram notificados, abrangendo diversas formas de violência como física, moral, psicológica, negligência, abandono, tortura e violência sexual. O dado mais preocupante, entretanto, refere-se a 2025.

Até o mês de maio, 31 casos já foram oficialmente registrados, sinalizando que o número pode superar, com folga, os anos anteriores. “Esses números são apenas a ponta do iceberg. A subnotificação ainda é uma barreira importante. Muitas situações não chegam aos nossos sistemas de registro, o que nos impede de atuar preventivamente e de forma efetiva”, alertou Viviane.

Desafios

A delegada de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso, Camila Batista Alves, destacou que o combate à violência sexual infantojuvenil ainda é prejudicado pela subnotificação, motivada pelo medo, vergonha e dependência das vítimas em relação aos agressores, muitas vezes pessoas próximas ou de confiança.

Segundo ela, a rede de proteção ainda é frágil e fragmentada, com atuação desarticulada entre os setores de saúde, educação e assistência social. “Falta um fluxo integrado de atendimento. O Conselho Tutelar muitas vezes acaba sobrecarregado com uma demanda que deveria ser compartilhada”, criticou.

A delegada Camila também fez um apelo para que o poder público priorize políticas públicas voltadas à infância e invista em infraestrutura, destacando a ausência de um espaço adequado no Hospital Margarida para o atendimento das vítimas. “Na delegacia, sequer temos uma sala para acolhimento. Uma simples divisória, que custa R$2.800, resolveria parcialmente esse problema, mas ainda não conseguimos essa verba”, lamentou.

Dados nacionais

Em âmbito nacional, a delegada trouxe dados que agravam ainda mais a preocupação: em 2023, foram registrados 74 mil casos de estupro, sendo que 61% das vítimas tinham menos de 13 anos. Apenas 10% das situações chegam ao conhecimento das autoridades, o que revela a dimensão silenciosa desse tipo de violência. Em Minas Gerais, no mesmo período, foram registrados 6.452 casos de estupro de vulnerável.

Dados locais

A representante da Saúde Mental, Eliana Bicalho, ressaltou o impacto emocional duradouro que a violência provoca. Segundo ela, o CAPS Infantojuvenil (CAPS IJ), criado em 2021, revelou uma realidade muitas vezes invisível: cerca de 40% dos atendimentos da unidade estão relacionados, direta ou indiretamente, a abusos sexuais. “Elas chegam com queixas de isolamento, ansiedade, agressividade e resistência à escola, mas muitas vezes a causa raiz é o abuso, que nem sempre é explicitamente relatado”, explicou Eliana.

Embora a criação do Fórum Intersetorial da Saúde Mental Infantojuvenil tenha sido um avanço, Eliana lamentou a baixa participação do Judiciário e outros setores fundamentais. “Precisamos de um compromisso coletivo e contínuo”, enfatizou.

Educação

A secretária de Educação, Alda Fernandes, destacou o trabalho preventivo nas escolas, com a introdução de materiais pedagógicos e a atuação da equipe psicossocial composta por psicólogos e assistentes sociais. Entretanto, ela reconheceu que os desafios persistem: “O agressor, muitas vezes, está no convívio da escola ou da comunidade, o que cria um ambiente de medo e insegurança, dificultando a denúncia”. Alda reforçou a importância de fortalecer o trabalho intersetorial e ampliar as ações de prevenção desde a primeira infância.

Recursos disponíveis

O presidente do Conselho Municipal da Criança e Adolescente, Wellington Silva, informou que o município dispõe de cerca de R$2 milhões no Fundo da Infância e Adolescência (FIA), recursos destinados a financiar projetos e ações de proteção. Entretanto, ele alertou que parte do valor permaneceu sem uso no ano anterior devido à falta de apresentação de projetos. Para reverter essa situação, a Prefeitura, em parceria com a Fundação Vale e o Conselho de Direitos da Criança e do Idoso, promoveu capacitações para conselheiros e entidades locais.

Encaminhamentos e propostas

Ao final da audiência, o vereador Bruno Cabeção (Avante), proponente do evento, apresentou um conjunto de encaminhamentos e propostas, entre eles: criação de uma sala de acolhimento na Delegacia de Proteção; adequação de espaço no Hospital Margarida para atendimento às vítimas; fortalecimento da Rede de Proteção por meio de um Comitê Intersetorial; melhor utilização do Fundo Municipal da Infância e Adolescência; instalação de um telecentro para capacitação digital de pais e responsáveis; e ampliação da divulgação dos canais de denúncia: Disque 100 e 181.

Ainda no encontro, todos os participantes da audiência foram unânimes ao destacar que o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes exige articulação intersetorial, comprometimento político e investimentos estruturais. “Precisamos romper o ciclo do silêncio e da impunidade, fortalecendo a rede, capacitando profissionais e garantindo que nenhuma criança ou adolescente fique sem proteção”, concluiu o vereador Bruno.