A ideia de que uma criança possa nascer numa condição completamente adversa, com a família caçada, e esse mesmo bebê, indefeso, condenado ao martírio, é muito poderosa. A imagem de uma manjedoura ou, num termo mais comum a nós, um cocho de alimentar rebanhos, nos remete à visão de uma vida de sofrimentos e quase sem esperanças.
Pobreza, alvo de perseguição, são condições que, atualmente, mesmo com tantas oportunidades de virar o jogo, pela maior facilidade de acesso ao estudo e à qualificação profissional, já seriam grandes obstáculos. O que movia, então aquela família, cujo bebê não fora fruto de uma relação própria de casais entre os pais, ao destino de tamanha importância na história?
Ainda que haja céticos, descrentes no imenso poder que aquela criança pudesse representar, apenas o fato de ser a única que demarcou o tempo de nossa existência em antes e depois de sua passagem pela terra, já seria razão inquestionável para reverência.
Não foi o fenômeno apocalíptico do extermínio dos dinossauros; nem os períodos estudados como “era do gelo”, “período cretáceo” ou outros. Na verdade, essas fases, nesse planeta, foram bastante elásticas. As mudanças que provocaram ocorreram em tempos contados em muitos anos.
Aquele nascimento, mesmo entre os oprimidos hebreus, deu esperanças e energia para tentar mudar o destino de milhões de pessoas. E isso fez a diferença para a humanidade.
Há que se espelhar naquela criança. É preciso entender que não há vitória sem luta, nem nada que valha a pena se não for por merecimento. E o belo poema de Francisco Otaviano nos lembra com doçura: “Ilusões da Vida: Quem passou pela vida em branca nuvem, / E em plácido repouso adormeceu; / Quem não sentiu o frio da desgraça, / Quem passou pela vida e não sofreu; / Foi espectro de homem, não foi homem, / Só passou pela vida, não viveu.”
As barreiras a superar às vezes nos tiram a disposição e o ânimo para viver. Mas, além do exemplo ímpar de Cristo, há outros que também podem nos inspirar para manter a fé em dias melhores. Pessoas que venceram obstáculos que pareciam intransponíveis.
A maioria são anônimos, porém alguns alcançaram posições de destaque e se tornaram referência de superação. Entre tantos, pode-se citar alguns em cujas histórias a adversidade, o preconceito de diversos matizes, poderia garantir o fracasso, mas viraram o jogo. Entre tantos, os músicos Ray Charles e Kátia; o empresário Ray Crock; os religiosos Padre Cícero, Chico Xavier e Divaldo Franco; os atletas Daniel Dias, Carol Santiago e Ádria Santos. A lista é gigantesca e, portanto, não é tão fácil entender a razão que tantas pessoas encontram para se permitir uma vida de lamentações e indisposição para o trabalho, para o estudo ou para o empenho por uma vida melhor para si e para os seus.
Elevo minhas preces a Deus enquanto avalio que nossas próprias moradias poderiam bem ser os presépios. E as nossas manjedouras, as bengalas, os aparelhos ortopédicos, as próteses, as cadeiras de rodas…