Depois da grande queda que sofri no primeiro dia do ano, percebi com alguma alegria, apesar da forte dor que o acidente causou, que ter com quem contar nesses momentos é uma dádiva. A presença de filhos e netos minimizou o “estrago” e ajudou a superar os primeiros momentos doloridos, até o atendimento no Pronto-Socorro. Sem a força do genro para me erguer do chão, haveria proporções muito maiores.

Foi um susto quando o aparelho ortopédico se abriu e me vi na descendente. Ato contínuo, estiquei o braço esquerdo – pois o direito estava ocupado segurando um equipamento frágil -, tentando reduzir o impacto do corpo contra o chão, mas o resultado foi ruim. O gesto causou rompimento de tendão e trauma muscular no braço e no ombro. Dois dias depois os hematomas cobriram do ombro ao cotovelo, como a manga de uma camisa estampada ou uma grande tatuagem arroxeada e disforme.

Passar o Dia Mundial da Paz / Dia da Confraternização Universal em um hospital, com muita dor e consciente de que estava dando muito trabalho a quem deveria estar em festa, não era exatamente animador.

O atendimento foi rápido e gentil, mas não eliminou a dor. Apenas diminuiu, com a medicação injetada na veia em uma sala com diversos outros pacientes. Isso, em alguma medida, permitiu que ouvisse alguns relatos de outros cuidados ali. Uma jovem senhora havia tropeçado no pé de madeira de algum móvel e fraturou os dois dedos menores do pé direito. A maioria estava naquele ambulatório pela consequência dos excessos de bebida ou comida. Havia outros diagnósticos, inclusive, de uma moça jovem, magra, muito ansiosa, que caminhava apressada entre os guichês, com os tênis nas mãos e calçada de meias.

Imaginei que passava por uma crise de “Síndrome do Pânico”, mas minha esposa, que me acompanhava, foi precisa quando me disse que era efeito de entorpecentes.
Por volta das 20h, recebi alta médica e voltamos para casa com a receita de anti-inflamatórios e analgésicos.

Para tentar distrair um pouco das dores que teimavam em não se dissipar, mesmo com a medicação, retomei a leitura do ótimo livro de um amigo. Suas diversas crônicas tratam de cenas e histórias de minha cidade natal, João Monlevade, num texto fluido e muito interessante, que prende o leitor com muita ternura. Tentei, através das boas memórias expressas no livro, me desligar um pouco da tensão que a dor e a tristeza por tornar cansativo e feio um dia de festas, criaram. Sem muito sucesso a princípio.

Uma das crônicas, todavia, entre diversas citações de itens que dão significado à espetacular identidade daquela terra de gente trabalhadora, faz referência à ‘farinha de fubá torrado’. Uau! Esqueci por alguns instantes das incômodas aflições. Trata-se de uma farinha produzida com extrema simplicidade, mas com um resultado fantástico, um sabor delicioso, para ser usada como acompanhamento em diversos pratos. Os familiares estranharam meu rosto sorridente e perguntaram a razão. Só consegui responder com brilho nos olhos: – Farinha!