A notícia e o desafio

Ao contrário do que muita gente pensa – ou faz de conta que pensa -, jornalismo não é filantropia, nem casa de caridade e muito menos órgão público de favores. Do mesmo jeito que jornal não é boletim cooperativo, não vive de idealismo ou aplausos.
Jornalismo é uma profissão como tantas outras e cuja salário permitido pelo mercado está longe do que deveria ser, enquanto jornal nada mais é que uma empresa comum que precisa de receita para pagar suas despesas e não falir.
Comecei na profissão aos 15 anos, trabalhando em várias empresas e colaborando até resolver ser empreendedor em várias áreas, como fotografia e alimentação. Fiz algumas tentativas e acabei falido, quase que irremediavelmente.
Entendi que tinha que voltar para o que eu sabia fazer, conhecendo de antemão pela experiência que jornalismo jamais seria caminho de riqueza, mas poderia permitir uma sobrevivência menos dolorida.
O grande problema era como produzir um jornal com credibilidade e receita mínima necessária. A prática no mercado era o ainda praticado “é dando que se recebe”, vendendo espaço para atacar ou elogiar com assinatura da editoria.
Percebi que tinha que definir critérios e compromissos para não dar com os burros n’água. Foram eles: 1) Vender exemplares e não distribuir gratuitamente; 2) Ousado projeto de venda de assinaturas; 3) 100% do espaço para matérias locais ou regionais; 4) Página 2 exclusiva para editorial, charge e artigos assinados. 5) Linha editorial para atrair o leitor, não permitindo qualquer tipo de censura.
Já tinha experimentado algo parecido década e meia antes com o jornal Atualidade do Vale, quando conseguimos elevar a tiragem de 2 para 15 mil exemplares, com distribuição gratuita. A linha editorial aberta com muitos fatos de polícia e política não agradou à empresa dona do jornal que o fechou após colocar o pé no freio.
Foi a partir desta experiência que surgiu o jornal A Notícia em 13 de abril de 1984. Conhecia os modus operandi da imprensa interiorana brasileira e sabia que se tomasse o mesmo caminho também não chegaria a lugar algum.
Nesta tentativa acertamos a expectativa dos leitores e, neste ano, A Notícia completa 40 anos de circulação semanal regular e ininterrupta, fato único da história da imprensa em João Monlevade e região.

 

VIVENCIANDO NOVA ÉPOCA

Mas hoje vivenciamos uma época absolutamente diferente com o avanço da tecnologia digital e a crescente inteligência artificial. Em seu livro “O mundo que não pensa”, o americano Franklin Foer (2019) explica que nas duas últimas décadas os leitores passaram a enxergar as palavras como bens descartáveis. Eles pagam ridiculamente pouco pelos textos que consomem, criaram as condições para a hegemonia monopolística, mas eles mesmo podem reverter o quadro.
A situação, bancada pelo Facebook e Google, criou um pacto diabólico com a publicidade, reduzindo a dependência do leitor e ampliando a condenável prática da imprensa de comercializar sua linha editorial para garantir receita.
Onde isto vai parar ninguém ainda sabe, mas imagina-se. Jornalismo é empresa, tem que dar lucro, mas não pode perder credibilidade. O Brasil está cheio de órgãos de imprensa vendendo palavras a favor ou contra e a qualquer preço. Pior ainda, muitos cobram caro para não falar mal.

40 ANOS SEM FALTAR

A Notícia faz 40 anos de luta permanente e inegociável por esta credibilidade, mantenedora da receita que o sustenta com tanta regularidade, mesmo diante de crises econômicas e pandemias. E além de ser o mais regular, é também o que sempre teve maior número de funcionários. Milagre ou excelência? Nenhum dos dois. Os apertos financeiros são muitos e se repetem, já cometemos dezenas de erros e também vendemos espaços no jornal, mas jamais palavras ou mentiras, sempre respeitando o leitor.

DEZ ANOS SOB NOVO COMANDO

Aposentei-me há dez anos e passei o jornal para minha filha jornalista, Maria Cecília Passos, que tem como sócio e editor o mestre em Letras, Erivelton Braz. Maria Cecília, aos quatro anos apareceu na capa da primeira edição em foto ilustrando matéria sobre a água e só se afastou do jornal quando foi cursar jornalismo na capital mineira. É a diretora geral da empresa e a maior responsável pelos 40 anos de história do A Notícia. Eu e Maria Cecília não construímos sozinhos estas quatro décadas de jornalismo com credibilidade exemplar. Muitos talentos e profissionais de ponta se juntaram a nós.

EQUIPE DE PRIMEIRA QUALIDADE

O excelente João Carlos de Oliveira Guimarães foi nosso primeiro editor, seguido por Marcelo Melo, Geraldo Magela, Cláudio Magalhães, Fabrício Salomé, Chico Franco, Ivan Newton Passos, Celso Martins, Janaína Cota, Breno Eustáquio (o que mais tempo respondeu pela editoria) e Erivelton Braz, além de outros que certamente tenha esquecido, bem como os repórteres Nívia Leles, Silvan Pelágio, Anágnia Flóis, Gláucio Santos, Kátia Passos, Cíntia Araújo, Maria Tereza Bicalho, Rodrigo Andrade e tantos outros.
Pela diagramação e design tivemos nomes importantes como Mara Gomes, Heber Passos, Gustavo Domingues, Thais Dias e Julieta Bittencourt, além dos chargistas Nem, Zema e Gilson, e dos ótimos colunistas sociais Moyara Domingues, Kaká, Chico Carvalho e Wandinho. Na área administrativa contamos com o empenho da Elizabeth Ambrósio, Rejane Soares, Lucilene Taveira, Fernanda Drumond, Rosi Perdigão, Priscila Santiago e Juliana Caldeira, entre outras, contando ainda com a colaboração de Dirvânia e Dalton Passos. Destaque ainda para o excelente desempenho de Cacá, Mário Paciência, Nininha, Gabriela Gomes, Magda Perdigão e tantos outros no setor comercial.
Rendo minha homenagem a todos que trabalharam ou colaboraram para os 40 anos do A Notícia e os faço representados pelo jornalista João Vitor e o saudoso responsável por significativa parte da distribuição do jornal, o Adenilton Cassemiro, falecido recentemente. A regularidade do A Notícia só foi possível com a criação da Gráfica Nina que, com a dedicação responsável de Sô Márcio, Túlio, Alemão e Guilherme Bessa, asseguraram a pontualidade com ótima qualidade de impressão para vários jornais da região e até de outros estados.
Certamente faltaram vários outros nomes, aos quais antecipo meu pedido de desculpas e credito a culpa à melhor idade que já me alcançou.

FUTURO BATENDO NA PORTA

A evolução da ciência da computação, o conceito de algoritmo, a prática vida on-line, com o domínio do Google, Facebook, Instagram e tantos outros gigantes que hoje comandam o mundo dos dados, fazem muita gente pensar que a imprensa e seus veículos tradicionais estão liquidados. Eu mesmo cheguei a pensar assim nos últimos anos, mas as Fake News estão fortalecendo os pulmões da credibilidade. O cidadão consome ferozmente tudo nas redes virtuais, mas aqueles acostumados à leitura buscam a confirmação dos fatos nos tradicionais órgãos de imprensa. No entanto, a lucidez nos lembra que a evolução tecnológica da comunicação é um caminho sem volta e vai se acelerar com a inteligência artificial. Soma-se a isto a comprovação do desapego dos jovens ao papel, quer seja jornal ou livros. Considere-se ainda que o tradicional formato standard está em seus últimos dias, mesmo porque é muito mais confortável abrir um jornal menor no formato tabloide.
Gostaria muito que A Notícia chegasse aos 50 anos com a mesma credibilidade e sua aceitação como impresso no formato das últimas quatro décadas. A sabedoria e a visão de futuro, no entanto, apontam como porto seguro para as próximas décadas a manutenção do compromisso de credibilidade com o leitor, mas com pioneirismo e significativos avanços nas redes sociais. Se o papel vai acabar ou não só o futuro dirá. Tomara que não.

 

Parabéns A Notícia!