(*) Breno Eustáquio da Silva

“A infância é um chão que pisamos a vida inteira.” A frase da escritora gaúcha Lya Luft traduz, com sensibilidade, a importância das experiências que vivemos nos nossos primeiros anos. E entre essas experiências, talvez nenhuma seja tão determinante quanto o acolhimento. A forma como somos recebidos, escutados e orientados na infância marca nossa trajetória para sempre — especialmente na adolescência, com seus conflitos internos, e na vida adulta, com os inúmeros desafios a serem enfrentados.

Lembro-me de um episódio da minha infância que, até hoje, me acompanha. Uma mulher muito próxima da minha família, que frequentava minha casa quase todos os dias, chegou certa vez enquanto eu assistia a um filme. Quis mostrar a ela que estava entendendo a história e tentei explicar o que estava acontecendo na tela. Gaguejei, não consegui organizar bem as ideias, e ela começou a rir. Me chamou de mentiroso e disse que mentir era feio. E, de fato, mentir é algo condenável. Mas o modo como ela me repreendeu, sem carinho nem escuta, me fez, naquele momento, sentir que eu era mesmo um mentiroso.

Hoje, adulto, percebo que o que houve ali não foi uma mentira, mas uma dificuldade de me expressar, algo comum em qualquer criança. E se, em vez da risada, ela tivesse me acolhido com paciência, me escutado com atenção e explicado com ternura o que ela entendia como mentira, talvez eu tivesse aprendido algo valioso sem carregar, por tanto tempo, a culpa e a confusão daquele instante. Na época, eu acreditava que todo adulto era uma figura de autoridade incontestável — minha mãe sempre me ensinou a respeitar os mais velhos. Por isso, tudo que os adultos diziam, eu levava ao pé da letra. Não conseguia, como uma criança comum, distinguir ironia ou deboche. Esse episódio aparentemente simples exerceu um impacto emocional profundo, pois não foi acolhedor — e me fez entender, com o tempo, o verdadeiro valor do acolhimento.

Muitos pensam que acolher é apenas dizer uma palavra amiga. Mas o acolhimento vai muito além do discurso. Ele se concretiza em ações. Acolher é perceber a dor do outro, especialmente quando essa dor vem carregada de confusão, medo ou vergonha. É ouvir com atenção, respeitar o tempo do outro e agir com empatia. É explicar, orientar, acolher com gestos e atitudes. Um professor que percebe a angústia de um aluno e muda sua abordagem, um amigo que fica em silêncio só para que o outro chore sem julgamentos, um pai ou uma mãe que escutam uma criança com o coração aberto e lhe explicam o mundo na sua linguagem — tudo isso é acolhimento em prática.

Hoje, talvez esse seja um dos maiores desafios da humanidade. Em tempos de inteligência artificial, relações líquidas e afetos superficiais, ser verdadeiramente acolhedor é um ato de resistência. E isso começa com as crianças. Acolher não é “passar a mão na cabeça”, mas educar com paciência, explicando, escutando, ajudando a formar seres humanos emocionalmente saudáveis. Porque, como disse Lya Luft, a infância é mesmo o chão que pisamos por toda a vida.

(*) Breno Eustáquio é professor universitário, doutor em Ciências da Educação