(*) Gláucio A. Santos

Temos vivenciado, nos últimos anos, uma crescente socialização das discussões acerca da educação antirracista. O que acompanhamos na atualidade nos mais diversos campos sociais sobre o protagonismo negro nada mais é do que o resultado de ações antirracistas que vêm muito antes da Lei Áurea (Nº 3.353, de 13 de maio de 1888).

Nossas terras carregam não apenas a marca do sangue das pessoas escravizadas numa suposta condição passiva, mas a resistência de homens e mulheres que reagiram ao violento sistema que dizimou nossos ancestrais pretos arrancados de diferentes países de África sob ação da Coroa Portuguesa com as bênçãos da Igreja Católica.

Em diferentes escalas estou falando de Poder. E este é o ponto central de nossa conversa. Nos ensinaram durante longos anos a pensar nas questões de raça (conceito criado pela branquitude como forma de enaltecer um determinado povo e subjugar outro como inferior) durante o 13 de maio quase que como reverência à Princesa Isabel.

Mas poucos sabem que a referida legislação (Nº 3.353) possui tão somente dois artigos. A saber: “Art. 1.° E’ declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brazil” e “Art. 2.° Revogam-se as disposições em contrário (sic)”.

Não há benevolência Real. Ao contrário, o Brasil foi o último país a extinguir o sistema escravocrata, sob forte pressão internacional, e o movimento abolicionista muito antes estava empenhando no rompimento dessa lógica devassa de lucro subjugando as pessoas negras.

O que a realeza deixou de fazer foi exatamente garantir condições (leia-se políticas públicas) de existência para o povo, ora marginalizado que teve como refúgio os morros, as periferias, os trabalhos e empregos de menor prestígio assim como num paralelo que podemos fazer em relação à casta social.

Não é à toa que, atualmente, pessoas negras são lidas socialmente como não qualificadas para estarem em postos de comando. Também herdamos e ainda paira o pensamento na atualidade de que o branco é benevolente e age em função do povo preto como se fosse um salvador da causa ou representante ou porta-voz.

Visto muitas vezes com exímio potencial para a arte, mas não elegível para ocupar as cadeias de comando de uma organização, o povo preto continua em situações que o marginalizam. Basta conhecer o perfil das pessoas privadas de liberdade e/ou assassinadas em nosso país ou o percentual de negros nas favelas e comunidades.

Precisamos contar uma nova história no dia 13 de maio e ao longo do ano. Neste sentido, sob influência dos escritos de Chimamanda Ngozi Adichie por meio do livro “O perigo de uma história única,” referencio a autora quando escreveu que “As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada”.

Nos dias atuais, precisamos que surjam outros homens e mulheres, como em outrora tivemos Zumbi, Dandara dos Palmares, Luís Gama, Joaquim Nabuco, para alavancar novas lutas por políticas públicas, a exemplo da lei 10.639/2003, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Passados 22 anos, a legislação é fruto da mobilização social e um amparo acadêmico-profissional para a quebra de paradigmas.

Embora sempre presente no imaginário social, a Princesa Isabel não representa o povo negro. E, de fato, não há por que conceder a Vossa Alteza o título de salvadora da pátria. Registra-se que somos descendentes de Reis e Rainhas. Viva o povo negro! Viva a cultura afro-brasileira.
(Re) Existimos!

 

(*)Gláucio Santos é educador étnico-racial, professor da educação básica e jornalista. Mestre em Educação.