(*) Breno Eustáquio
A gente cresce ouvindo que o mundo não é justo. Mas o que ninguém nos ensina é o quanto essa injustiça pode nos atravessar de forma tão íntima, a ponto de marcar a alma. Vivemos em uma sociedade que naturaliza o sofrimento de uns e privilegia o silêncio de outros. E aprender a conviver com isso exige mais do que maturidade — exige resiliência, coragem e um compromisso diário com a própria sobrevivência emocional.
Falo com a propriedade de quem já teve que engolir o choro muitas vezes. Desde que me entendo por gente, convivo com a homofobia. Na infância, ela se manifestava nas piadinhas ditas com um risinho disfarçado entre vizinhos e colegas de escola. Mais tarde, ganhou formas mais sofisticadas: o olhar torto, o comentário maldoso, a exclusão velada, o julgamento disfarçado de opinião. Tudo isso foi deixando cicatrizes. E o mais duro é perceber que, mesmo adulto, mesmo professor, mesmo cidadão que contribui com seu trabalho, com sua dedicação, com sua presença, essas feridas continuam sendo reabertas por atos que, para quem comete, parecem inofensivos.
Recentemente, em um ambiente universitário, fui alvo de mais um comentário homofóbico. Senti de novo aquela dor antiga que voltou como se o tempo não tivesse passado. Aquela sensação de que você precisa, mais uma vez, provar que merece respeito, que merece estar ali, que merece existir.
É por isso que escrevo. Porque sei que não estou sozinho. Porque sei que muitas pessoas, como eu, já passaram ou ainda passam por situações assim. Muita gente gosta de desqualificar essas dores chamando de “mimimi”. Esse é o rótulo preferido de quem se recusa a olhar para o outro com empatia. Mas o tal do “mimimi” é, muitas vezes, o último grito de alguém que está tentando existir com dignidade. Reduzir o sofrimento alheio a frescura é uma forma covarde de fugir da responsabilidade que temos como sociedade: a de aprender, de ouvir, de respeitar.
Um comentário irônico pode destruir a autoestima de alguém que está lutando todos os dias para se manter de pé. Um gesto de exclusão pode reforçar o sentimento de que o mundo é um lugar onde não há espaço para quem é diferente.
A verdade é que ninguém sai ileso da vida, todos carregamos nossas dores. Mas há dores que poderiam ser evitadas — e não são. Porque falta sensibilidade, falta escuta, falta vontade de aprender sobre o que é ser o outro. Diversidade não é apenas uma palavra bonita para estar em discurso de evento. Diversidade é prática, é convivência, é respeito real.
O silêncio muitas vezes é conivente com a injustiça. E se eu escolhi escrever este texto, é porque acredito que o silêncio, neste momento, seria um erro.
Eu sigo acreditando que o mundo pode ser um lugar melhor. Que a educação transforma, que a convivência ensina, que o afeto humaniza. E acredito que parte dessa transformação começa no reconhecimento da dor do outro. Começa quando olhamos para alguém que sofre e, em vez de julgar, estendemos a mão.
O mundo não é justo. Mas ele pode ser mais gentil. E isso, em grande parte, depende de nós.
(*)Breno Eustáquio é monlevadense, professor Doutor em Educação.