(*) Mário Ananias

O cientista suíço, Albert Hoffmann, sintetizou pela primeira vez, em 1943, ano conturbado pela Grande Guerra, a substância LSD, ou Ácido “Lisérgico”. No ano em que nasci, 1957, esse mesmo cientista desenvolveu a psilocibina, potente alucinógeno extraído de cogumelos havidos como “mágicos”. Essas drogas são capazes de produzir delírios psicodélicos, e foram estudadas para tratar casos graves de distúrbios intelectuais. Foram muito usadas por diversos astros do rock entre as décadas de 1960/70. Inclusive a famosa canção dos Beatles “Lucy In the Sky with Diamonds” (1967), é uma alusão ao entorpecente.
É claro que o nome do ácido alucinógeno serviu para piadinhas pela similaridade com Sérgio, meu segundo nome. Se houvesse destempero ou rancor de minha parte, os engraçadinhos teriam alcançado seu intento: fixar o apelido. Mas, ao longo de uma vida com deficiência, vai-se desenvolvendo estratégias de sobrevivência e, assim, como tantos outros “codinomes”, esse caiu em descrédito.
E qual a razão de se falar desse narcótico quase esquecido? É que parece haver atualmente uma ampla recidiva, não da droga, mas de seus efeitos. Observe-se, por exemplo, a resistência de algumas pessoas em proteger crianças contra doenças perfeitamente evitáveis como a poliomielite. Ou a cólera e a coqueluche que voltam a assombrar os brasileiros. O drama das enchentes no Rio Grande do Sul, pode avolumar o risco de contaminação. E é um processo de imunização tão simples. Basta vacinar. A aversão ou indecisão quanto a esse gesto de amor beira à alucinação.
E não apenas isso. Há hoje quem se empenhe com fervor em registrar, via celular, as tragédias, mas se sinta impotente para, pelo menos, tentar evitar o problema ou socorrer eventuais vítimas. Infelizmente, quanto pior o fato anotado, mais importância se dá ao registro. Nesse tempo de “politicamente correto” é de se estranhar a polaridade esdrúxula entre a condescendência com tais iniquidades e a demonização de brincadeiras inócuas.
Não vamos viver para sempre, isso é fato. Deveríamos, então, nos empenhar em deixar as próximas gerações em condições melhores do que aquela em que vivemos, não é? Tornar o mundo melhor e as pessoas mais capazes de o fruir com responsabilidade, liberdade e alegria.
O álbum Almanaque (1981), traz a bela composição de Chico Buarque e Edu Lobo, “Moto Contínuo”, cuja letra institui uma série de ações que demonstrariam a infinitude do amor que se pode dedicar a alguém. Entre elas, criar “… o moto contínuo, da noite pro dia…”, se fosse pela pessoa amada. Ainda que, cientificamente, se trate de uma impossibilidade o reaproveitamento total e contínuo da energia que seu próprio movimento gera.
Fazer pela felicidade do outro torna feliz quem se dispõe ao gesto.
Noutra vertente, o grande poeta de toda uma geração, Vinícius de Moraes, pousa o olhar – e esse possível! – sobre a extensão do amor que se dedique a alguém: “… Que não seja imortal, posto que é chama. Mas, que seja infinito, enquanto dure!” E é exatamente essa a percepção profunda que, acredito, se espera do amor àqueles que nos sucederão, as crianças: responsável e infinito; capaz de proteger e, ao mesmo tempo, emancipar em liberdade. Sem doenças ou deficiências evitáveis, para que a sucessão se torne a ilimitada continuidade da vida, com qualidade e propósito.

(*) Mário Ananias é monlevadense, servidor público, escritor, palestrante e autor do livro: Sobre Viver com Pólio. Contato: mariosrananias.com.br/