Ainda bem jovem, em Monlevade, aprendi a datilografar, em máquinas manuais, e fiquei bastante hábil em digitação. Algumas daquelas ‘tecnologias’ como máquina de escrever, papel de carta, envelope e caligrafia estética, hoje quase esquecidas, eram bastante úteis nas comunicações, tanto as oficiais quanto as pessoais. Assim é que até em canções tinham seu valor reconhecido. Observável, por exemplo, na música de Aldo Cabral e Cícero Nunes, “Mensagem”, lançada em 1955 na gostosa voz de Isaurinha Garcia; e que trata de uma carta em cujo envelope se vê a caligrafia, os signos grafados manualmente. Coincidentemente, no mesmo ano em que, pela primeira vez, se fez a imunização em massa contra a poliomielite, nos EUA, com a nova vacina desenvolvida pelo pesquisador nova-iorquino Jonas Edward Salk.
Essa habilidade com a datilografia me permitia escrever velozmente as letras das músicas, enquanto tocavam nas rádios. Consequentemente, obtinha bom acervo de letras que facilitavam a consequente memorização. Por isso, quando havia alguma reunião, festinha em que os participantes pudessem tocar e cantar, quase sempre me incluíam. Porque eu sabia “todas” as letras.
Certa vez, fomos ver um jogo no Mineirão, BH, depois do qual iríamos comemorar a vitória, chorar o drama da derrota ou, ainda, nos consolar pelo empate, no bairro Dom Cabral. Independentemente do resultado, iríamos ao boteco, e eu sabia “todas” as letras.
Durante o jogo, eu me ressentia porque, nos lances mais arrojados, na iminência de algum gol, as pessoas se levantavam apressadas para acompanhar a jogada. Bem mais lento, quando eu conseguia me por de pé, a jogada já se concluíra e alguém sempre xingava, pedindo que eu me sentasse, porque estava atrapalhando. Depreendi, que só veria as partes mornas do jogo. Mas eu sabia “todas” as letras.
Havia um espaço próximo, vazio, entre as torcidas, separado por corda. Sob o olhar aterrorizado dos torcedores mais próximos, levantei a corda e fui me sentar ali, todo feliz porque poderia ver o restante do jogo sem impedimentos.
Só me dei conta do risco assumido quando quatro policiais gigantes, com cassetetes em punho vieram em minha direção. Por muita sorte um deles percebeu em tempo que eu era PcD e apenas, aos berros, “sugeriu” ameaçadoramente, que eu voltasse para o outro lado da corda. Mas eu sabia “todas” as letras.