(*)Breno Eustáquio da Silva

Por muito tempo, meu cristianismo andou em silêncio. Não por falta de fé, mas por ausência de abrigo. Fui da Igreja, catequista, parte ativa de comunidades que respiravam oração e esperança. Mas, com o tempo, senti que o Evangelho — aquele que me ensinaram a amar desde menino — foi perdendo o rosto de Cristo e ganhando contornos rígidos demais. Contornos que excluíam, que julgavam, que condenavam em nome de uma tradição que, para mim, já não falava de amor, mas de medo.

Foi nesse tempo de distância, de afastamento do altar e das palavras ungidas, que ouvi o nome de um cardeal argentino. Jorge Mario Bergoglio. Quando ele se apresentou ao mundo como Francisco, escolhi escutar. E naquele gesto tão simples — o nome escolhido, a saudação tímida, o olhar acolhedor — algo em mim se acendeu de novo.

Francisco, o Papa que não precisava gritar para ser ouvido, devolveu-me a coragem de crer. Não em estruturas de poder, nem em dogmas inflexíveis, mas no que há de mais puro na fé: o amor ao próximo, o cuidado com os esquecidos, a coragem de reformar quando reformar é necessário.

Na última segunda-feira, 21 de abril, Francisco partiu. A notícia não chegou como um choque, mas como uma dor serena. Doeu como a ausência de um amigo que, mesmo sem nos conhecer pessoalmente, foi companheiro de jornada. Um irmão mais velho que, em tempos de tanta cegueira, nos apontava a luz com gestos simples, mas firmes.

Foi ele quem falou dos pobres como centro do Evangelho. Quem lembrou que a Igreja não pode ser alfândega, mas casa de portas abertas. Foi ele quem lavou os pés de presidiários, de mulheres, de muçulmanos. Quem chamou refugiados de irmãos. Quem denunciou a fome como escândalo e a desigualdade como pecado. Quem enfrentou, com delicadeza e firmeza, os que queriam fazer da fé um instrumento de opressão.

Com Francisco, eu me reconheci novamente cristão. Reconheci no seu rosto o rosto de um Cristo vivo, humano, presente nas periferias do mundo e da alma. Voltei a ler os Evangelhos com gosto. Voltei a acreditar que a fé pode caminhar com a justiça, com a dignidade humana, com o pensamento livre. Que é possível amar a Deus sem fechar os olhos para a realidade — pelo contrário, que é urgente abrir bem os olhos e o coração.
Sua morte me abala, confesso. Não apenas pela perda pessoal, mas pelo temor de que as sombras do ultraconservadorismo voltem a crescer dentro da própria fé. Tenho medo de que as vozes duras ganhem espaço, de que a religião se afaste de novo do povo, da compaixão, da verdade de Cristo.
Mas também carrego a esperança de que sua passagem por este mundo tenha plantado sementes que ninguém mais poderá arrancar. Que suas palavras e seus gestos tenham tocado tantos corações quanto tocou o meu. Que aqueles que hoje se preparam para escolher um novo Papa se lembrem da luz que Francisco foi — e ainda é.

Francisco me ensinou que é possível ser firme sem ser cruel. Que é possível dialogar sem abrir mão da verdade. Que é possível acreditar na misericórdia como o centro da fé cristã.
E, por tudo isso, escrevo esta singela homenagem. Porque não podia deixar passar em silêncio a partida de um homem que me devolveu o sentido da fé. Que me lembrou que ser cristão é, antes de tudo, ser humano.

Que o próximo Papa, seja ele quem for, tenha os pés descalços de Francisco, os olhos ternos de Francisco, a coragem de Francisco. Que seja, acima de tudo, guiado por Deus para manter vivo o Evangelho de amor que ele pregou — com palavras, mas sobretudo com atitudes.
Obrigado, Papa Francisco. Por me fazer sentir novamente em casa. Por me fazer lembrar do essencial. Por mostrar que a fé pode — e deve — ser liberdade, acolhimento, justiça.
Que sua memória permaneça como farol em meio às tempestades. E que sua vida siga sendo evangelho — uma boa notícia — para os que ainda creem no amor.

(*)Breno Eustáquio da Silva é monlevadense, professor doutor em Educação.