Descobri uma coisa terrível: os fios têm vida. Não, não é realismo fantástico. É a mais pura verdade. Porque vejam só: inicio o dia com tudo arrumadinho, tudo no lugar. O dia vai passando e os fios começam a trançar uns nos outros. Parece coisa do destino. Já repararam que os danados, misteriosamente, se enrolam como cipó, como erva daninha enforcando planta. Olho para a minha mesa de trabalho, a fiarada embolada está ali.

Literalmente, um desafio à minha frente e nem sei por onde começar. Calma, Martino! Respire fundo e vá desembolando devagarinho. Tenha paciência. Afinal, Penélope passou vinte anos tecendo e destecendo fios de sua eterna colcha, enquanto esperava a volta de Ulisses. O fio do tempo, o fio da vida…

Mas, aff! Tem horas que tenho vontade de sair arrebentando tudo. Deve ter na Física alguma lei da emboleira. Os fios devem exercer algum tipo de atração embolática, porque uma coisa é certa: eles vão embolar. Mais dia ou menos dia. Pode ter certeza. Estava aqui pensando nos gatos de energia que têm por aí, pendurados nos postes das cidades. Já repararam no enrolation que seria desfazer aquilo tudo?

A natureza dos fios é embolar. Metáfora disgramada né? Que nem aquela: “a natureza do escorpião é ferroar”. E sabe o pior que descobri? Fios grossos também embolam. Eu constatei por experiência própria. Mangueira adora embolar. Quem sai serpenteando pelo quintal com uma mangueira molhando plantas sabe do que estou falando. Embola nas árvores, nas marquises, nas pedras e até em si mesma. Dá uma trabalheira. Desembolar uma mangueira não é fácil.

E não é que a vida também embola de vez em quando? Sempre por nossa culpa. A gente se mete em rolos e mais rolos e perde o fio da meada. E quem controla isso? Tem vez que a emboleira dos fios soltos na nossa existência é tão grande, que você não consegue encontrar as pontas. E aí é preciso fiar na fé. Que nem quando você perde a ponta do durex…É duro.

E, para me enlouquecer de vez, os fios elétricos caseiros são os piores. Fios de eletricidade, fios de USBs, fones, plugs, extensões, carregadores, todos eles adoram uma suruba. Fones de ouvido, então, são os piores. Que promiscuidade! Embolam em qualquer coisa, enrolam, “engarrancham-se”, eita espaguete dos infernos! E, para piorar, ainda arrebentam e passam a funcionar só de um lado. Que ódio quando isso acontece!

Será que existe coach desembolador? Alguém que saque da cartola as dez maiores técnicas desembolantes a serem ofertadas a quem sofre com essa fiarada… Se tem coach para tudo, deve ter algum que saiba desenrolar os fios que surgem dia após dia. Apesar de que, no fundo, esses tais coachs são também bastante enrolados em suas próprias enrolações.

Bem. Até parece que tenho tempo nessa emboleira que é a vida. Neste momento solene, contemplo a macarronada minha de todo dia. Preparar para desplugar tudo e desembolar, para amanhã, embolar de novo, desembolar outra vez, infinitamente, como o símbolo eterno, aquele fio em forma de oito. Nunca tem fim.