(*) Mário Ananias

Tornaram-se ícones as muitas estórias protagonizadas pelo personagem “O Amigo da Onça”, criação de Péricles de Andrade Maranhão, cartunista recifense que que foi muito cedo satirizar santos e anjos no andar de cima, aos 37 anos.
Suas “tirinhas” eternizaram-se na caricatura de um rapaz alinhado, esbelto, gravata borboleta num impecável terno branco, cabelo e bigode fixados com “Brilhantina Glostora”, olhar maroto; capaz de, sem qualquer pudor, colocar as pessoas ao redor em situações constrangedoramente cômicas. A última contribuição à famosa revista “O Cruzeiro”, ocorreu em 1972, ano da despedida.

Do alto de meus oito anos, em 1965, já leitor voraz, pela sorte de ter sido presenteado com inúmeros clássicos da literatura infanto juvenil desde os três, como observado no meu livro Sobre Viver Com Pólio; eu lia feliz naquele periódico, as HQ e charges, além das crônicas impagáveis do Nelson Rodrigues.
A estória com que Péricles cria o personagem é uma conversa na qual um amigo conta ao “Amigo” sobre situação imaginária em que se via acuado por uma onça num local ermo. A todas as estratégias de fuga apresentadas, o “Amigo” oferecia “à onça” uma opção segura para alcançar seu propósito de almoçar o outro. Este então questiona, irritado: “Você é meu amigo ou Amigo da onça?”. Nasce o personagem.

Já no segundo ano do Grupo Escolar Eugênia Scharlé, Vila Tanque, eu sofria com o deslocamento entre a parte muito alta onde morávamos, na rua 8, e o vale abaixo, no início da avenida Aeroporto, onde se situa essa escola municipal.
Para chegar até lá, quase sempre contava com o rico auxílio de meus irmãos mais velhos. Muitas vezes eles, também crianças, chegavam a me carregar pelo íngreme trajeto. Da casa 45 até a esquina da Contorno, virando à esquerda, descíamos até onde hoje está uma das sedes da Sociedade São Vicente de Paulo, mais ou menos no número 2.750. Em frente à SSVP havia um ponto de ônibus e, atrás dele, à direita de quem desce, o casario oferecia uma interrupção, um atalho para a descida até a escola lá embaixo. Era apenas um trilheiro, em meio à vegetação. Nos dias de chuva tornava-se tão escorregadio que, para descer, só os super-heróis e, para subir, somente anjos alados.

Algumas cidades europeias preservam, por lei, esses caminhos entre áreas urbanizadas e servem como lembrança de tempos em que desbravadores percorreram aquelas sendas. Também em São Paulo e Brasília se veem algumas dessas vielas preservadas.
Algumas vezes, meninos, nossos contemporâneos, me lançavam um desafio: chegar até a Escola por este trajeto, de ponta-cabeça, caminhando com as mãos e com as pernas para cima. Importa aqui observar que não existia o atual Colégio Geraldo Parreiras (Polivalente) e o espaço que ele ocupa hoje, lembrava um pântano, sempre barrento e movediço em meio à brenha.

Eu sempre soube que nunca seria goleador no futebol, que nunca ganharia uma corrida a pé e que dificilmente carregaria a namorada ao colo, mas aquilo, para mim, era muito fácil e eu cumpria sem pestanejar, em troca de algumas bolinhas de gude, a partir da esquina da Contorno, longe do olhar da minha mãe. Os meus “Amigos” – da onça! – só não sabiam que, mesmo de forma invertida, eu conhecia bem aquelas veredas.

 

(*) Mário Ananias é monlevadense, servidor público, escritor, palestrante e autor do livro: Sobre Viver com Pólio. Contato: mariosrananias.com.br/ @mariosrananias