Entende-se por abstenção de votos o não comparecimento do eleitor às urnas. Os números divulgados pelo TSE demonstram um aumento gradativo no percentual de abstenções nas eleições deste ano. Em 2016, o percentual ficou em 17,58% e, agora, em 2024 a média nacional foi de 21,3%. O tema ganhou destaque no 2º turno quando, em São Paulo, 31,4% dos paulistanos não compareceram às urnas. O número de eleitores que deixaram de votar chegou a ser maior que a quantidade de votos dados ao segundo colocado.
O voto no Brasil é obrigatório, porém, essa obrigatoriedade vem sendo mitigada por vários mecanismos legais, como o longo prazo de 60 dias para justificar ou a irrisória multa eleitoral de R$3,51 por cada ausência. Agora, a justificativa pode ser feita no dia da eleição, dentro de casa, pelo aplicativo e-título, com o sistema de georreferenciamento.
Ou seja, apesar de obrigatório, as formas vigentes para regularizar a situação eleitoral de quem se abstém são amplas e de fácil acesso, o que faz repensar sobre o valor simbólico da obrigatoriedade de votar no Brasil.
Este aumento da abstenção torna-se preocupante, porque nos faz questionar sobre qual é o tamanho da importância que o brasileiro dá ao direito de escolher os governantes do seu país. Ou seja, a abstenção pode vir a pôr em risco o próprio processo democrático, senão vejamos.
A democracia é o regime político mais empregado nos países da era contemporânea em que a soberania é exercida pelo povo, que escolhe seus representantes através do voto. Provou-se ser o melhor sistema de nossa era. No Brasil, o voto é direto, secreto e universal. Direto no sentido de que escolhemos diretamente nossos líderes, secreto por ser uma escolha sigilosa, e universal porque todos têm direito de votar e todo voto tem o mesmo valor, independentemente de raça, credo, gênero e poder político ou econômico do eleitor.
Nossa democracia é relativamente nova, cuja história é cercada de interrupções. A última delas se deu em 1964, com o regime militar. Recuperada em 1988, com a promulgação da atual Constituição, essa conquista foi cercada de muita luta, a custo de muito sangue e vidas. Quem já leu: “Brasil Nunca Mais”, sabe dos 1.800 casos de tortura e 125 desaparecimentos relatados em um único livro. Mas os números são maiores.
Toda essa luta se deu pela conquista do direito ao voto. Do direito de escolher nossos governantes, de participar, ainda que indiretamente, dos rumos da política de nosso país.
Abdicar-se dele põe em risco a própria democracia. Eis que uma população indiferente à escolha de seus líderes permite a ascensão de políticos cada vez mais corruptos, menos comprometidos com o povo e mais fiel aos interesses de sua rede de aliados.
E a corrupção governamental enfraquece a democracia a ponto de abrir vieses para golpes e atentados para a consolidação de ditaduras e todas as chagas advindas do abuso de poder. A história já nos mostrou que o acúmulo de poder na mão de um só grupo oprime liberdades, massacra direitos e aumenta a miséria.
Por isso, esse crescimento da abstenção do voto deve nos servir de alerta para que se crie políticas públicas voltadas para a educação política do povo brasileiro. A vez da escolha e a voz da liberdade devem ser garantidas a cada geração, para o surgimento de novos líderes e para a consolidação da democracia em nosso país. Não podemos esquecer do passado inglório das ditaturas, porque “na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais”.