Quando chega dezembro, há no fundo do peito, um misto de sentimentos que, muitas vezes, confundem a mente. Primeiro uma alegria gigante pelos amigos e familiares que esse período suscita reencontrar, conversas animadas sobre saudosos momentos de tantos anos. O clima especial criado em torno das festas, das expectativas por rever parentes que obrigações diárias nos impedem de ver com mais frequência, de participar da alegria das crianças e do carinho dos mais velhos.
E o que dizer das músicas que marcaram fases importantes de nossa existência? Na nossa infância, o espetacular jingle de Caetano Zamma, “Estrela Brasileira” (1960), que se transformou num quase hino de uma das mais importantes empresas do mundo, a Varig, exemplo de comprometimento, sucesso e liderança. Ou ainda, outro delicioso e genial jingle, desta vez para o Banco Nacional, antes de patrocinarem o inesquecível Ayrton Senna: “Quero ver você não Chorar” (1971), criação de Edilson Borges de Abrantes, também conhecido como Passarinho.
Já na adolescência, a grande marca veio da bela Happy Xmas (War Is Over), também de 1971, composição de John Lennon, que ouvíamos pela antiga Rádio Mineira. Enquanto a música tocava, um narrador traduzia emocionado cada verso, com uma voz apaixonada e envolvente. Observando que há os que amam e os outros; a versão brasileira, por Cláudio Rabello, na deliciosa voz de Simone, delicadamente emoldurada de sotaque.
O lado menos glamouroso é lembrar que foi a época em que fui diagnosticado com a poliomielite, então conhecida como “paralisia infantil”. No ano de 1957, houve uma formidável epidemia dessa doença viral, contagiosa e aguda que afetou inúmeras crianças em todo o Brasil. Entre elas, eu. Como se vê, minha cidade Natal, João Monlevade, não foi poupada. A salvadora vacina ainda não nos fora disponibilizada.
Outro ponto de reflexão, entre as alegrias e as tristezas desse ciclo anual, resgato memórias de um tempo de escassez material e abundância de bons sentimentos. Lembranças de nossa grande família, meus pais e onze filhos, apesar de ser do nosso pai, o único salário a nos sustentar.
Não mais que três mínimos. Os presentes eram quase sempre funcionais: roupas e calçados. O toque especial era, para as filhas, um sabonete Lux (“Preferido por 9 entre 10 estrelas do cinema”), ou Palmolive (“Para um banho de beleza”); e para os meninos, uma maçã vermelhinha, enorme, argentina. Eventualmente algum brinquedo participativo, como uma bola ou outro que precisasse mais de um competidor. Isso ajudava a dar consistência à inteireza do tecido familiar. Essa inteligência emocional e habilidade de um líder para trafegar em paz, amor e fraternidade pela carência material, é um dos grandes legados daquela maravilhosa musa do eterno poeta de nossas vidas. Ela, minha mãe, D. Therezinha, e ele, meu pai, José Ananias.
Resta, então avaliar com a máxima isenção possível, o que foram aqueles dourados anos. Um aprendizado e uma união maravilhosos, em contraponto à saudade e tristeza que sua ausência causa, pelo esgarçamento daquele tecido de que eram a liga com cheiro e gosto de maçãs.