O público de João Monlevade poderá apreciar um pouco do talento e da visão cinematográfica de uma de suas moradoras. A gestora de projetos sociais Alexsandra Mara Felipe Fernandes, moradora de João Monlevade, contará sua história na telona de cinema ao ar livre durante sessão gratuita. “Me Disseram que sou Negra” é uma das dez histórias transformadas em filmes pelo Curta Vitória a Minas III. A caravana de cinema fará a exibição na terça-feira, às 19h30, na sede do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de João Monlevade (Sindmon-Metal). Aos 52 anos de idade, ela reencontrou o passado para se reconciliar com a sua própria trajetória. A mulher encarou as correntezas da vida para superar o preconceito e o racismo vividos na infância.

“Me Disseram que Sou Negra”

Filha da dona de casa Lourdes Saturnino Felipe e do torneiro mecânico e fresador José Basílio Felipe, Alexsandra foi uma criança tímida e calada. O ambiente escolar acentuou uma personalidade contida porque não lhe pareceu um lugar seguro para se abrir e conviver com as pessoas naquele momento da vida. Ela conta que as pessoas faziam comentários indelicados, agressivos em relação aos seus cabelos, deixando-a envergonhada e com medo de interagir com os outros. Na sala de aula mantinha a cabeça baixa, temia chamar a atenção na hora de responder à chamada e desaparecia no recreio, principalmente, se estivesse sozinha. A melhor amiga na escola sempre era aquela que também se escondia pelos cantos.

Certa vez, e apenas uma vez, ainda criança, ela comentou com a mãe o que estava acontecendo e pediu-lhe para não colocar a trança. Sua mãe a acolhia, lhe dava força e a ensinava a construir a auto-estima, mostrando-lhe como ela, seu cabelo e suas tranças eram lindos, no entanto, a menina não acreditava e pedia a mãe que escondesse o seu cabelo e a tornasse invisível. Os ataques racistas cometidos pelos colegas dentro da escola lhe trouxeram dificuldades para estudar e aprender, levando-a a repetir algumas séries do ensino fundamental.

Apesar das violências, ela manteve-se na escola e amava as aulas de redação, onde exercitava o dom de criar e escrever histórias. No decorrer do tempo, a troca de vivências e reflexões lhe ajudaram, aos poucos, a começar a abandonar as cascas que a aprisionavam no passado e a impediam de ser quem quisesse ser com liberdade, admiração, respeito e confiança. “Me Disseram que Sou Negra”, baseado em suas memórias, traz um olhar para o passado, não como aprisionamento, mas como fortalecimento e reconhecimento, como um caminho para compreender melhor as relações e os acontecimentos.

“Ver a minha história sendo transformada em filme foi uma surpresa maravilhosa este ano. Eu confesso que não achei que seria escolhida. O filme foi um processo que fomos construindo, assim, a cada passo, a gente acreditava mais, como se a ficha caísse aos poucos. A seleção, o curso, a filmagem, a edição. Cada fase parecia um sonho, mas estava realmente acontecendo. Através do projeto, eu aprendi a me amar ainda mais, a me colocar em primeiro lugar e a dizer sim pra mim, pra minha história, pra minha raiz, porque a minha história fez ser quem eu sou hoje. A expectativa para a exibição é muito boa. Eu, a minha família, as atrizes, as famílias das atrizes, todos estamos muito ansiosos. Sou muito grata a todos por esta conquista”, comemora Alexsandra.

O projeto

De 21 de novembro a 03 de dezembro, o caminhão-cinema equipado com uma estrutura com telona de 8×6 metros, projetores, sistema de sonorização e cadeiras para acomodar os espectadores percorrerá cidades capixabas e mineiras para exibir as obras de curta-metragem com roteiro, direção e produção das autoras e autores das histórias selecionadas. O Curta Vitória a Minas III tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, apoio local da Prefeitura Municipal de João Monlevade e realização do Instituto Marlin Azul, Ministério da Cultura/Governo Federal.

O objetivo é possibilitar aos moradores das cidades ao longo da Estrada de Ferro Vitória a Minas a oportunidade de contar histórias e transformar em filme, registrando as memórias, os costumes, os hábitos, as lendas e as peculiaridades destas localidades, contribuindo para o fortalecimento territorial e comunitário.